quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Projeto da Comissão da Verdade divide opiniões

A promessa do governo federal de colocar em votação na próxima semana o projeto que cria a Comissão Nacional da Verdade no Brasil ainda divide opiniões dentro e fora do Congresso Nacional. 
Nesta quarta-feira (14) o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, articulador político dos votos para aprovação do texto, pleiteava o “sim” do Democratas (DEM). No mesmo dia, deputados críticos ao projeto tentavam colocar em pauta, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, outro projeto para revisar a Lei de Anistia.

Na avaliação da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), a aprovação conjunta dos dois projetos é fundamental, uma vez que o texto da Comissão da Verdade contém falhas que “não farão justiça às vítimas da ditadura militar”. Já para o professor de Direito da PUC-RS e conselheiro da Comissão de Anistia, José Carlos da Silva Filho, mesmo com falhas no texto, o Brasil não pode perder o momento politicamente propício para aprovação do projeto.

O governo investe em um acordo entre as lideranças da base aliada para aprovar a Comissão da Verdade em regime de urgência urgentíssima. Segundo o Ministério da Defesa, 16 partidos estão de acordo. PSDB, PPS e PV manifestaram apoio. Faltaria apenas convencer o DEM para garantir maioria. Segundo um representante da sigla, os democratas não se opõem à instalação da comissão, mas se preocupam quanto à escolha de seus sete integrantes. Há uma possibilidade de o partido votar com o governo, exigindo a ampliação do período a ser investigado.

Na opinião dos críticos, porém, este é justamente um dos pontos que faz com que a Comissão da Verdade não seja efetiva. “Os líderes estão todos com o governo para aprovação do projeto em regime de urgência, sem passar por comissão nenhuma e sem chance para acréscimos nos pontos que alegamos serem falhas do texto. O período de 1946 a 1985 sugerido no projeto é muito amplo para o número de integrantes previstos na Comissão”, questiona a deputada Luiza Erundina.

Projeto de Erundina “pode atrapalhar”

Outra crítica da deputada é a presença das Forças Armadas dentro da futura Comissão. “É uma proposta que não faz justiça aos desaparecidos e mortos na ditadura. Faremos uma redemocratização incompleta no Brasil”, fala. Para que a verdadeira anistia aos perseguidos políticos seja feita no país, Erundina defende a aprovação de um projeto de sua autoria, o PL 573/2011, que exclui da anistia crimes cometidos por agentes de Estado. “É uma maneira de alterar a Lei de Anistia, dando a interpretação autêntica a esta lei, retirando os torturadores do direito de serem anistiados”, argumenta.

O relator do projeto, deputado Hugo Napoleão (DEM-PI) defende o arquivamento do projeto e a consequente absolvição de agentes públicos que praticaram crimes como a tortura. Segundo informações da banda do PSOL na Câmara Federal, “existe um movimento do Palácio do Planalto para não aprovação deste projeto”, porque atrapalharia a aprovação da Comissão da Verdade. Por esta razão, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) apresentou voto em separado, defendendo a aprovação do texto de Erundina. Na sessão desta quarta, o parlamentar tentou colocar o tema em pauta, mas 12 deputados votaram contra.

Urgência pode ser estratégica

A aprovação sem debates incomoda pessoas ligadas ao combate à ditadura. Em defesa da tática, o governo argumenta que, se o projeto começar a ser discutido em profundidade no Congresso, as opiniões poderiam se radicalizar, colocando em risco sua aprovação.

“Existe a possibilidade de avanço com esta Comissão. Há um consenso pela aprovação porque há a condenação internacional feita ao Brasil e a Comissão da Verdade poderia ser uma forma de dar alguma resposta às exigências internacionais”, fala o professor de História da PUC-RS e conselheiro da Comissão de Anistia, José Carlos da Silva Filho. Porém, ele alerta que, mais do que a existência da Comissão, é necessário ficar atento sobre a direção em que ela irá. “O fato do Brasil ter uma Comissão da Verdade poderá trazer o debate para a sociedade de forma a aumentar as chances de podermos discutir posteriormente a penalização dos torturadores. Foi assim na Argentina”, compara.

A falta de previsão de pena aos que cometeram crimes contra a humanidade durante a ditadura militar na lei da Comissão da Verdade pode fazer com que a Corte Interamericana de Direitos Humanos intensifique a cobrança para com o Brasil, acredita o conselheiro José Carlos. Ele entende que isso é bom, uma vez que não é uma obrigação apenas do governo federal rever a Lei de Anistia no Brasil. “Por isso, o apoio da sociedade na aprovação da Comissão da Verdade é importante agora. Poderemos aumentar o debate depois de aprová-la”, acredita.

Apesar de reconhecer os pontos falhos do projeto, ele acredita que as forças políticas contrárias à divulgação da memória do regime de exceção poderiam se aproveitar da prorrogação da aprovação. “Existem forças políticas agindo de forma sigilosa ou explícita para atrapalhar a instalação da Comissão. Episódios que evidenciam isso são, por exemplo, a pressão sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos que o ex-ministro Paulo Vanuchi tentou aprovar e acabou causando racha com o Ministério da Defesa, sofrendo alterações”, exemplifica.

A deputada Luiza Erundina, que dialoga com frequência com os familiares de vítimas e com sobreviventes da Ditadura Militar, é menos otimista quanto à garantia de que será possível mobilizar a sociedade depois da aprovação. “Muitos são muito velhos ou já morreram. Além do mais, há parte dos familiares que concorda com a aprovação do texto como está e a outra metade quer manter a pressão para que o estado brasileiro atenda a verdadeira justiça”, explica.

Por esta razão, a deputada irá votar contra o projeto da Comissão da Verdade quando da votação. “A proposta como está sendo apresentada que não irá revisar todos os casos de vítimas e opositores do regime daquela época”, disse.

Enquanto a comissão não é instalada, organizações da sociedade civil criaram mais de 20 “comitês da verdade” pelo país para discutir o tema, pressionar o Congresso e levantar informações que possam subsidiar o futuro grupo governamental.

Em julho, o Ministério da Justiça deu, a um grupo de 12 familiares de mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar (1964-1985), acesso irrestrito a todos os documentos do Arquivo Nacional. O trabalho deles também deve ajudar a comissão. Porém, o integrante da Comissão de Anistia, José Carlos da Silva Filho, não tem expectativas quanto a abertura de novos documentos da Ditadura Militar com a futura Comissão da Verdade. “Não é este o foco central. O foco é o papel político que ela terá para ajudar no trabalho que já fazemos em outras instâncias como a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e a Comissão de Anistia. Este tema é um terreno em disputa e não temos clareza de qual será o resultado da instalação desta Comissão da Verdade, mas o importante é aprovar agora”, defende.

*Rachel Duarte - Jornal Sul21 - 14/09/2011

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