sexta-feira, 20 de julho de 2012

Reativação do Conselho de Comunicação do Congresso pega de surpresa até nomeados

Aprovada antes do recesso, nova composição do colegiado, desativado desde 2004, tem entre representantes da sociedade civil porta-voz de Sarney e dono de rede de televisão; Entidades protestam

A deputada Luiza Erundina não entendeu como José Sarney incluiu o assunto na pauta sem comunicar os colegas.

São Paulo – Aprovada no último dia do semestre legislativo, a nova composição do Conselho de Comunicação Social surpreendeu até mesmo os novos integrantes e incluiu o ex-porta-voz do presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), e representante das empresas de comunicação em vagas que caberiam à sociedade civil. O processo de eleição foi questionado por entidades que militam no setor.

Criado em 1991 (governo Fernando Collor) pela Lei 8.389, instalado pela primeira vez em 2002 e desativado desde 2004, o colegiado, com 13 integrantes, deve formular estudos e pareceres, entre outros, sobre a liberdade de manifestação e de pensamento, a propaganda comercial e o monopólio ou o oligopólio nos meios de comunicação. A reativação era um antigo anseio de setores da sociedade que pedem um debate sobre a democratização do setor, mas a aprovação, feita de surpresa na última terça-feira (17), não foi exatamente agradável para militantes e deputados que queriam opinar sobre a nomeação dos integrantes. Por lei, cabe à Mesa Diretora do Senado, comandada por Sarney, empresário de comunicação no Norte e no Nordeste, a definição dos membros do colegiado.

Indicado como representante dos radialistas, o presidente do sindicato da categoria em Minas Gerais, José Catarino do Nascimento Silva, disse ter sido surpreendido. “Até agora (hoje, 19), nem comunicado fui”, afirmou. Ele disse, inclusive, concordar com a ressalva feita pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) sobre a indicação dos radialistas ter sido feita “sem diálogo com a atual gestão da Fitert (federação nacional)”. Segundo Nascimento, a entidade deveria ter sido consultada. “A primeira coisa que vou fazer é ter contato com a Erundina e com os companheiros do FNDC.” A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) é coordenadora da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão, e Nascimento quer consultá-la para saber, inclusive, se deve ou não se manter como titular do colegiado.
Na quarta-feira (18), a deputada federal Luiza Erundina, que preside a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão, afirmou haver recebido com “estranheza e perplexidade” a informação de que havia sido aprovada a nova composição do conselho. “A votação dessa matéria se deu numa sessão do Congresso convocada com um único ponto de pauta, ou seja, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, às vésperas do recesso parlamentar. O item sobre o CCS deve ter sido incluído como extra-pauta, sem discussão e à revelia da maioria dos parlamentares, provavelmente com o conhecimento apenas dos líderes de bancada presentes à referida sessão”, diz comunicado emitido em nome de toda a frente.

Segundo a nota, o grupo de deputados e senadores encaminhou a Sarney em fevereiro deste ano uma lista com sugestões de nomes da sociedade civil. “Manifestamos nosso veemente repúdio pela forma desrespeitosa e antidemocrática como o Presidente do Senado tratou, neste caso, os parlamentares e representantes de mais de cem entidades da sociedade civil que integram a Frentecom.”

O presidente do Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual (que abrange Norte, Nordeste e Sudeste, com exceção de São Paulo), Luiz Gerace, o Chacra, contou que o seu nome foi indicado quatro anos atrás. Depois, não ouviu mais falar do assunto. “Hoje (19) recebi um telefonema de uma pessoa do Senado, para confirmar o endereço.”

No ano passado, Chacra chegou a receber um telefonema do vice-presidente da TV Globo, Evandro Guimarães, que estaria preocupado com a possibilidade da entrada de grupos estrangeiros no mercado brasileiro. “A gente defende o amplo direito de expressão audiovisual. Sem-terra pode produzir, o índio pode, os periféricos”, diz o sindicalista, que chama a atenção para a “precarização violenta” do profissional do setor, sem direitos como carteira assinada, piso salarial, jornada ou 13º.

Um dos conselheiros que tomará posse em 9 de agosto é Fernando Cesar Mesquita, porta-voz de Sarney no período em que o senador foi presidente da República (1985-1990). Mesquita, hoje diretor de Comunicação do Senado, é um dos cinco representantes da sociedade civil nomeados pelo parlamentar. Questionado sobre o porquê de preencher a vaga no colegiado, ele classifica como “bobagens” as críticas feitas pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e diz que foram escolhidos os nomes “mais representativos”. “Tenho uma história, sou jornalista a vida toda. Tenho experiência muito grande na área pública. Fui diretor de O Estado de S. Paulo, do Jornal do Brasil. Represento porque contribuo como cidadão”, afirma.

Mesquita diz não querer emitir opiniões precipitadas e não antecipa quais temas pretende abordar nos debates. Mas, quando perguntado sobre qual opinião pretende levar ao conselho sobre o controle de canais de rádio e de televisão por políticos, prática vedada pela Constituição, mas que na prática é comum, ele se sai com a afirmação de que a legislação não permite a prática: “Hoje os políticos não podem mais ser proprietários. Há parentes que são, mas eles não são.” Parentes, no popular, são os “laranjas” que permitem a burla à legislação.

Outro que entrou na cota de representantes da sociedade civil foi um empresário de comunicação, setor que já tem assento reservado no conselho. João Monteiro de Barros Filho é dono da RedeVida de Televisão, sediada em São José do Rio Preto, no interior paulista, e com retransmissoras de conteúdo religioso espalhadas pelo país. Segundo a página da emissora, Filho e o presidente do Congresso são velhos conhecidos: “A ideia de formar a RedeVida de Televisão nasceu durante o governo do presidente José Sarney. Na época, a disputa pelo canal 11 de São José do Rio Preto foi grande e o jornalista barretense representava o segmento mais fraco, mas tinha a promessa do presidente e uma fé imensa.”

Por telefone, Barros Filho preferiu não opinar sobre sua nomeação para o conselho:

– “Fala com meu filho, Barros Neto, que ele está acompanhando melhor essas reuniões.”

– “Mas o nome que consta como conselheiro é o seu, João Monteiro de Barros Filho”, responde o repórter.

– “Ele é João Monteiro também.”

Com a palavra, o filho de Filho: “Penso que ele está convidado como representante da sociedade civil. E neste sentido ele se enquadra completamente”, diz, negando que a nomeação de seu pai fosse mais adequada na cadeira de representante dos empresários. “A grande virtude do meu pai participar desse conselho, como membro da sociedade civil, é por causa das características pessoais. É um jornalista que começou a trabalhar em 1955, que atua no rádio, no jornal e também atuou fundando uma rede de televisão. Com valores e princípios morais, éticos, cívicos.”

A composição do Conselho de Comunicação Social

Uma das questões que podem ser debatidas pelo conselho é a regulação da comunicação, abordando mecanismos para desconcentrar as concessões de rádio e televisão e a distribuição das verbas de publicidade. A respeito do assunto, Barros Neto informa que Barros Filho considera que o setor já está regulamentado, mas existe necessidade constante de debater aperfeiçoamentos para acompanhar a evolução tecnológica e da sociedade. Ele afirma ainda que seu pai está disposto a debater a possibilidade de restrições na veiculação de conteúdo religioso utilizando emissoras: “Tudo pode ser discutido. Não tem nada que não deva ser discutido”.
Em nota, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) classificou como “antidemocrática e preconceituosa” a escolha dos integrantes, que poderiam ajudar a impulsionar o debate sobre democratização da comunicação. A entidade lamentou o fato de a direção da Fitert não haver sido consultada sobre a vaga para a qual seu ex-presidente foi nomeado e a exclusão das mulheres, que não ocupam nenhum dos 13 assentos permanentes.

“Um Conselho que deveria servir para auxiliar o Parlamento, e que reúne entre suas funções avaliar questões ligadas à liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, além de emitir pareceres e recomendações ligadas à produção e programação de emissoras de rádio e televisão, não deve - e não pode jamais - prescindir da participação de uma representação coerente da sociedade civil à altura de tão complexas e estratégicas responsabilidades”, diz o comunicado.

Os outros três representantes da sociedade civil no Conselho de Comunicação Social são Miguel Ângelo Sampaio Cançado, tesoureiro do Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente da seção de Goiás da entidade;  dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro; e o professor de Direito Ronaldo Lemos, da Fundação Getúlio Vargas, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV.

O representante das empresas de televisão é Gilberto Carlos Leifert, diretor da Central Globo de Relações com o Mercado. Ele também é presidente do Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar), cargo para o qual foi reeleito recentemente. O conglomerado está representado ainda por Alexandre Kruel Jobim, vice-presidente jurídico da RBS, “mais antiga e maior afiliada da Rede Globo”, como informa a empresa em seu site. Filho do ex-ministro Nelson Jobim, o executivo representa as empresas de imprensa escrita (veja a relação completa dos titulares no quadro). 

O presidente do Sindicato dos Artistas (Sated) do Rio de Janeiro, Jorge Coutinho, também foi surpreendido pela notícia. “Houve uma conversa um bom tempo atrás em relação a isso, no ano passado.” Segundo ele, “uma pessoa do Senado” o convidou para o cargo. “Para mim, isso nem existia a mais.” A indicação do Sated também foi criticada pelo FNDC – para a entidade, isso representou um “privilégio” a um sindicato do setor. “Não sei se outros foram convidados”, diz Coutinho, acrescentando ter boa relação com o sindicato da categoria em São Paulo. “Acho que é da maior importância discutir os caminhos da comunicação. No momento, estamos órfãos culturalmente. A vitrine da cultura não pode ser a TV Globo ou a TV Record. Cada estado deve ter a sua vitrine.”

O tesoureiro da OAB, Miguel Cançado, soube da eleição pela reportagem. “Acho que nem a OAB foi comunicada”, comentou. Segundo ele, sua indicação foi feita há mais de um ano. Sobre as atividades do órgão, o advogado disse que preferia se informar mais sobre o processo antes de falar a respeito. “O conselho tem uma função importante na estrutura de comunicação do país.”

Por: João Peres e Vitor Nuzzi, da Rede Brasil Atual - 19/07/2012

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