quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Painel sobre tortura homenageia ex-deputados cassados pela ditadura



Elifas Andreato, autor da tela e ex-preso político, diz que foi ‘terrível’ trabalho com cenas de tortura
Publicado: 29/11/12 - 12h20

                 
O painel de Elifas Andreato para a Câmara dos Deputados: homenagem aos deputados federais cassados durante a ditadura
Foto: Reprodução / Agência O Globo

O painel de Elifas Andreato para a Câmara dos Deputados: homenagem aos deputados federais cassados durante a ditadura Reprodução / Agência O Globo 

BRASÍLIA - Ex-preso político durante a ditadura e ilustrador de publicações de oposição ao regime militar, o artista plástico Elifas Andreato encarou a encomenda para pintar uma tela sobre aquele período como um doloroso desafio. O painel, com 5,5 metros de comprimento e 1,70 metros de altura, que será exposto na Câmara dos Deputados, retrata imagens de tortura, como pau de arara, cadeira elétrica, afogamento e violência sexual. O artista, também reconhecido pela plástica das dezenas de capas de discos de compositores e cantores da música brasileira, levou três meses para fazer o painel, que considerou um tempo curto, e acredita ter retratado ali fielmente os excessos daquele período. A tela foi batizada "A verdade ainda que tardia" e traz também imagens de vítimas dos militares, como a presidente Dilma Rousseff, Vladimir Herzog, Rubens Paiva, Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Alexandre Vannuchi e Manoel Fiel Filho.

— Quando me fizeram a encomenda, que precisava pintar essas imagens, fui para o quarto e disse a mim que teria que encarar esse negócio, mas não podia fazer coisa pequena. Fiz estudos preliminares e decidi que não ia esconder nada, coisa alguma. Na verdade, até escondi uma coisa ou outra que seria mais desagradável. O desafio era fazer uma boa pintura e fazer a denúncia, registrar aquela barbárie toda. Foi terrível, não foi fácil - contou Elifas Andreato ao GLOBO, que publicou a tela na sua edição desta quinta.

O trabalho foi encomendado pela Comissão da Memória, Verdade e Justiça da Câmara, presidida pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP). A tela ilustrará a sessão especial da Câmara que devolverá o mandato de 173 deputados que tiveram seus mandatos cassados pelos militares, no dia 6 de dezembro. Andreato conta a razão de incluir na tela fotos de Dilma, da época em que foi presa, e dos outros perseguidos. O painel ainda traz a inscrição do nome Dodora, apelido de Maria Auxiliadora Lara Barcelos, amiga de Dilma no combate á ditadura, que foi vítima de violência sexual na cadeia, além de outras torturas, e que se matou no exílio, na Alemanha, na década de 70.

— Ali tem os eliminados pela ditadura e alguns sobreviventes. Todas as vítimas estão simbolicamente representados naquelas pessoas. Optei por usar aquela foto do prontuário da Dilma. E a Dodora tem uma história trágica, que me comoveu muito - contou o artista. — Tive pouquíssimo tempo para trabalhar. Três meses e meio é tempo curto para esse tipo de trabalho. Nunca fiz algo desse tamanho. Trabalhei quinze horas por dia. Pronto nunca fica, mas chega uma hora que o prazo termina. Mas acredito ter feito um documento histórico e que as novas gerações se interessem em conhecer os arbítrios daquela época.

Tapete vermelho para ex-parlamentares

A inédita iniciativa da Comissão de Direitos Humanos vai devolver os mandatos de 173 deputados federais. Destes, 29 estão vivos, e os outros 144 serão homenageados in memoriam. Do total desses cassados, 74 são do MDB, 36 do PTB e 36 da Arena. Os ex-parlamentares e familiares serão recebidos em tapete vermelho estendido na rampa do Congresso, com guarda de honra e receberão diploma e o broche de congressista. Esses deputados tiveram também seus direitos políticos suspensos e foram atingidos por atos institucionais e decretos dos governos militares. O ato ocorrerá no próximo dia 6.

Boa parte dessas cassações, 89 delas, ocorreram no final de 1968 e início de 1969, consequência do AI-5, que endureceu o regime militar e foi considerado o golpe dentro do golpe. Entre os ex-deputados ainda vivos perseguidos pela ditadura, e que vão 'reaver' seus mandatos, estão Plínio de Arruda Sampaio (PDC-SP), Almino Affonso (PTB-AM), Maurílio Ferreira Lima (MDB-PE), Ney Maranhão (Arena-PE) e Bernardo Cabral (MDB-AM). Na extensa lista dos cassados e que já morreram estão Mário Covas (MDB-SP), Leonel Brizola (PTB-GB), Márcio Moreira Alves (MDB-GB), Rubens Paiva (PTB-SP), Francisco Julião (PSB-PE) e Ivete Vargas (MDB-SP).

— A devolução simbólica dos mandatos não será apenas entregar de volta a representantes da população seus cargos que foram usurpados no regime de exceção. Vai além. É restituir ao próprio povo parte de um processo que foi tirado dele pela ditadura: ver empossados seus escolhidos para defender suas crenças e ideias no Congresso - afirmou Luiza Erundina, coordenadora da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça.

— Será um momento histórico e de uma homenagem justa, ainda que atrasada. E que combina com o atual momento do país, que busca esclarecer, com a instalação da Comissão da Verdade, episódios daquele período lamentável - disse o deputado Domingos Dutra (PT-MA), presidente da Comissão de Direitos Humanos.




Nenhum comentário:

Postar um comentário