quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Reeleita, deputada federal desabafa sobre a classe da qual faz parte e não aposta mais nem em reforma política




Luiza Erundina desabafa sobre o Congresso e a prática política 

PUBLICADO EM 21/01/15 - 04h01 IG- MG / Jornal O Tempo BH

Ricardo Corrêa e Lucas Ragazzi

Luiza Erundina, eleita em outubro do ano passado para seu quinto mandato consecutivo de deputada federal, nem parece uma representante do Congresso que tomará posse. Suas palavras assemelham-se muito mais às que ouvimos por aí, nas rodas de conversa, nos protestos e entre aqueles que têm horror à política. Desanimada com os rumos de seu próprio partido e da classe da qual faz parte, ela resume de forma dura: “Nós do PSB não representamos mais nada. E esse próximo Congresso não representa mais nada. Que grau de legitimidade, de representatividade que tem, se nós já assumimos deixando uma dívida, mais uma, para a sociedade? Nossos honorários foram majorados de forma absurda. Um aumento sem nenhuma consideração ao momento que o país vive, de crise, de cortes, de contenção de gastos. E ainda aprovado no final da legislatura sem qualquer discussão”.
Erundina, que participa das discussões para a criação do Avante!, novo partido que contaria com a presença de lideranças dissidentes da Rede, de Marina Silva, não aposta nem mais na reforma política. “Militei por mais de 15 anos pela reforma política. Mas agora eu vejo que tentar reformar, remendar esse tecido desgastado, poluído, só vai aumentar o problema. Nós temos é que reorientar o sistema político. Não é mudar a eleição, é algo que tem que começar de fora, da sociedade”.
Para Erundina, a saída não está pronta, mas passa por estabelecer “uma relação horizontal, verdadeiramente democrática, diferente do que existe hoje nos partidos. 
“É preciso refazer o conceito de poder que emana do povo. Esse poder não pode ser apropriado por qualquer um, ignorando a sociedade”, desabafa.

Leia outros trechos da conversa:

Relação com o PSB, seu partido
"O desgaste não é de hoje. Já é desde o segundo turno das eleições. Eu era da Executiva Nacional do partido e me afastei quando houve o apoio ao Aécio (Neves). Por uma questão política, e não pessoal. Questão de projeto político. Primeiro com o Eduardo Campos e depois com a Marina (Silva) como candidatos, o discurso era de romper com a polarização entre PSDB e PT. O mais coerente então era liberar a militância para que os eleitores tomassem uma decisão e não tomar uma postura de apoio ao Aécio, de fazer campanha. Isso contradisse completamente o discurso. Deixamos de ser a terceira via e passamos a ser a segunda via. E, para mim, política é coerência".

Situação atual
"De lá para cá, as coisas têm caminhado de forma diferente do que era esperado. A formação daquele bloco mesmo com PSB, PPS, PV, PSB e Solidariedade, por exemplo, foi feita sem nenhuma discussão. Nem com a bancada propriamente dita. Já estão articulando candidatura à Prefeitura de São Paulo, sem debate. Então é uma situação muito complicada. Não é pessoal, nem de momento. Eu já venho reagindo, eu reajo a essas candidaturas, a essas alianças. Aí o Júlio Delgado (MG) assume a liderança do partido no lugar do Beto Albuquerque (RS) e vai ser candidato à Presidência da Câmara e nada disso foi discutido. A discussão, se foi feita, foi com outros partidos. Essas práticas que terminam desmerecendo, descaracterizando um partido que era alternativa nesse quadro de pluripartidarismo. Era uma alternativa na relação com os outros partidos, no protagonismo, uma alternativa para a sociedade".

Aumento de salários
"Eu tenho um projeto de lei desde 2011 que exige que aumento de salários, de honorários dos parlamentares, tenha que passar por um referendo, mas pergunta se já saiu da gaveta. Não sai. Não querem mudar nada. É simples. E é por isso que a sociedade não dá mais credibilidade à classe política. Pena que eu não tenho espaço, pois não sou líder, não sou nada. A dinâmica de discussões tira esse espaço perante aqueles que comandam os partidos".

A saída para o descrédito
"Não é uma saída que está pronta. Estamos em uma cultura política, uma prática política cheia de hábitos, vícios, reproduzidos em escala de tempo que não dão condição de fazer mudanças. É preciso incentivar os movimentos de massa, como as manifestações de 2013. Não acabou. Simplesmente não houve um canal para que exprimisse suas ideias. Não havia um candidato, uma alternativa. Olhe o índice de abstenção, de votos nulos, brancos. Isso é um sinal. Assusta o desinteresse pelo debate político. Acho que chegamos ao fundo do poço. Sabe quando você chega em um ponto que não tem mais poço para descer? Quem sabe isso pode ser o momento de dar um passo na direção certa?".

O novo partido
"Há um início de articulação, sem presidente, sem preocupação com fundo partidário, com poder institucional. Apenas com uma crítica contundente ao sistema político. A questão é com o povo. Sem o povo não muda nada. Personalismo não ajuda. Tem que estabelecer uma relação horizontal, verdadeiramente democrática, diferente do que existe hoje nos partidos, que são fechados. Sem a disputa interna de poder. É preciso refazer o conceito de poder, que emana do povo e não pode ser apropriado por qualquer um, ignorando os anseios da sociedade. Hoje as alianças não respeitam a soberania popular. Com as coligações, o cidadão vota em um e elege o outro que não sabe quem é".

Reforma política
"Não acredito mais. Em 15 anos na Câmara eu militei, fui ativista da reforma política. Mas tentar reformar esse tecido desgastado, poluído, só vai aumentar o problema. Nós temos é que reorientar o sistema político. Não é mudar a eleição, é algo que tem que começar de fora, da sociedade. A mudança, a novidade, só virá de fora para dentro".

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